domingo, 30 de janeiro de 2011

O Caminho das Águas

Quaisquer águas, doces ou não, podem levar-nos a Oceanos Profundos...
Quaisquer águas, doces ou não, podem levar-nos a Oceanos Profundos...







Para Onde Correram as Águas do Rio Uruba?!

      DO ALTO DA PONTE, VIAM-SE “BARONESAS” QUE FLUTUAVAM IMPONENTES SOBRE AS ÁGUAS DO RIO URUBA: O VELHO RIO DA PONTE!


       Sobre as águas do Rio da Ponte, “Baronesas” flutuavam imponentes numa dança cheia de Boas Novas. Mais embaixo, o “Pezinho-de-Deus”, onde alegres lavadeiras desmentiam o ditado popular: “Roupa Suja Se Lava em Casa”. Bem mais lá embaixo, a famosa “Prainha”. Era lá, na Prainha, que a festa acontecia: Meninos e Meninas do “Ginásio” cabulavam a última aula: a de “religião” e iam banhar-se nas águas quentes do Rio Uruba!

      Para onde correram as águas do Rio Uruba?

      Água de Beber – Água da Biquinha! Água Doce Feito Mel! Para mim, agora também há outras águas, como as “Águas dos Rios Tietê e Pinheiros”: Não são doces, mas eu não digo que sejam amargas como fel!

      Da ponte, meninos corajosos e até meninas pulavam em “salto mortal” e não morriam, não senhor: Caiam “vivinhos da silva” nas águas encantadas do Rio da Ponte! Bem mais à frente, perto da Ventania, a “Biquinha”: Água Pura - com a mesma pureza das Pastorinhas! Pastorinhas são Meninas-Jesus que colhem girassóis sob o Sol da Meia-Noite!

      Água de Beber, doce feito mel! Água que mata quaisquer sedes! Um pouco mais à frente, o bucólico “Valentim”: Cercado por matas virgens, banhado por cachoeiras outras e abençoado pela Serra do Timorante, onde há muito ouro, dizem! Seu Almerindim "cavou" muito naquelas bandas, mas não conseguiu chegar ao ouro, não!

       Água-de-beber, doce feito mel!

       Para mim, agora também há outras águas, de sabores exóticos. Não são águas doces como a Água da Biquinha; mas, amargas como fel, eu não digo que sejam! No final de cada "ato", tudo são Águas-de-Beber que me fazem recuperar o Fôlego da Vida!
     

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sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

As Pastorinhas

Pastorinhas são Meninas-Jesus que colhem os derradeiros girassóis...


De quem são filhas essas Meninas-Jesus que colhem os derradeiros girassóis?! Assim como Shakespeare é o verdadeiro pai de Hamlet, Dona Licinha é a Mãe de todas as Pastorinhas em qualquer geração!
 

      Em Boa Nova, toda mulher que se preza foi Pastorinha um dia! Mas o que é mesmo uma Pastorinha?! Pastorinha é toda Menina-Jesus que, sob o sol da meia-noite, colhe girassóis remanescentes, construindo, assim, um Futuro-Luz!



A Turma de Fulô!

Nada mudou:
Seu grande amor continua a nos envolver:
Nós, Sua Prole: "A Turma de Fulô",

Você, Flor que se cheire!
As Flores não morrem jamais – elas apenas se mudam para outros campos no bico de um beija-flor! Que Beleza!

Algumas Pessoas se tornam imortais pelas impressões indeléveis que deixam em nossas vidas! Para mim, Dona Flor é uma dessas Pessoas Raras!

       
      Sou uma pessoa naturalmente melancólica. Melancolia sempre foi coisa da minha essência. Sendo assim, tive que aprender a ser melancólico sem maiores dramas, tentando não ser patético - fazendo da tal melancolia apenas um traço da minha personalidade. São poucas as coisas nesta vida que me dão verdadeiro prazer. Uma boa xícara de café é algo que me dá muito prazer, um prazer desses que fazem a gente lamber os beiços. Saborear minhas memórias também está no rol das pouquíssimas coisas que me dão prazer nesta vida meio "Teatro do Absurdo".

      Começo dos anos 1970, eu era um garoto de oito anos que acabara de perder a mãe, mas sem traumas, pois Dona Flor, nossa querida avó, não permitiu que nem eu, nem meus irmãos sentíssemos maiores “dores”, fora a dor da saudade evidentemente. A vida tinha que seguir seu curso normal - porque o tempo não pára! Às dez da manhã, entrava no ar a “voz da cidade”. Carolina de Dona Nesta era a locutora. Ouviam-se Roberto Carlos, Odair José, Gilberto Gil, Antonio Marcos, Gal, Caetano, Vanusa, Márcio Greick, Jerry Adriani, Paulo Sérgio... Mas a música que mais se ouvia era “A Tonga da Mironga do Kabuletê”. Acho que Maria Carolina gostava muito dessa música. A “voz da cidade”, ou "o alto-falante” – era uma espécie de radia local, com alto-falantes pendurados nos postes da “luz do motor”. Namorados apaixonados ofereciam canções às amadas, e vice-versa.

      Pouquíssimas eram as casas com televisão - um privilégio das poucas famílias abastadas. Estava no ar a Novela Cavalo de Aço, de Walter Negrão. O Brasil, no auge do Regime Militar – Os Anos de Chumbo! O zPresidente era o General Garrastazu: “O Brasil vai bem, mas o povo está mal.” Na última moda, calça boca-de-sino, para homens e mulheres! No ar, Cavalo de Aço! Imperdíveis eram as maldades do Velho Max, vivido pelo genial Ziembinski – Verdadeiro Monstro Sagrado!

      Cavalo de Aço - Rodrigo e sua motocicleta: A Luta de um Homem contra tudo e contra todos - Luta para reaver as terras que lhe foram roubadas pelo Velho Max.
      A "morena fatal" Joana e a "masculinizada" Miranda disputam o amor do mesmo homem: Rodrigo Soares.

      É Fogo Cruzado! Brilho nos Olhos! Revolta no Peito: Cavalo de Aço!

      Televisão era coisa raríssima em Boa Nova, mas ninguém podia perder Cavalo de Aço em suas emoções finais. Eu e meus irmãos, levados por “Maninha”, acompanhávamos a “Saga de Rodrigo Soares” na casa de Dona Elzita. Na hora do Jornal Nacional, saíamos para brincar de “tongue” debaixo dos pés de oiti. Quando ouvíamos: “Este Programa foi liberado pela Censura Federal. No ar, mais um campeão de audiência” - essa era a senha para o “cruz-cão” - Cavalo de Aço ia começar: Na terra de ninguém, a força é um direito, e o terror é a lei – Cavalo de Aço!

      A sala da casa de Dona Elzita estava com a lotação mais que completa – era gente em tudo que é canto – até debaixo da mesa havia gente! Não cabia mais ninguém! Então, fechou-se a porta – lotação completa, e “nós” do lado de fora?! Aí não! Perder Cavalo de Aço em suas emoções finais, não podíamos jamais!

- Gente, vamos apelar pra consideração que Dona Elzita e Maninha têm por Vó – Sugeriu um de nós, não me lembro quem – e assim foi feito:

- Dona Elzita, por favor, abra a porta! É a Turma de Fulô: Renan, Neuman, Airan, Ivan, Nerivan, Osman e Butija de companhia!

Dito e feito: Lá dentro, o povo se acabava de rir! Eis que surge Maninha às gargalhadas, abre a porta e libera a entrada da Turma de Fulô. A sala cheia – lotação mais que completa - lotação “Rock In Roll”: Buffallo Bill, Bel da "Vea" Lipa, Tonhe Bodim, Bileu, Luís Caboquim, Tonhe Alamiro, João Aquilo, Budega, Silvinha de Humberto, Ziza, Tonhe de Aureliano, Carlinhos Monareta, Osório, Bainha, Gazeta, Ulisses de Almerindim, Priguilino... Assovios, gritos, gargalhadas e o refrão: “É a Turma de Fulô: Renan, Neuman, Airan, Ivan, Nerivan, Osman e Butija de companhia”. Meu Deus, a casa de Dona Elzita transformou-se num “carnaval fora de época” – um fuzuê sem fim: anarquia nunca vista! E nós, a Turma de Fulô, ali – sem entender o motivo de tanto alvoroço, de tamanha algazarra. Queríamos apenas assistir à novela Cavalo de Aço em suas emoções finais, apelando pra consideração que Maninha e Dona Elzita tinham por Vó. Mas todos acharam a nossa estratégia muito engraçada, sei lá...

      Muita algazarra na sala de TV – precisou Dona Elzita falar “forte”, exigindo silêncio – afinal, era “Cavalo de Aço” em suas emoções finais. Mesmo assim, entre uma cena e outra, alguém não se controlava e explodia em gargalhadas ao se lembrar da Turma de Fulô! Quando o capítulo daquela noite estava para acabar, Neusinha de Dona Augusta, grande amiga nossa, dirigiu-se até a Turma de Fulô - todos sentadinhos num banco que Maninha, querida Maninha, havia providenciado para nós:

- Gente, é o seguinte: Se eu fosse vocês, nem esperaria as “cenas do próximo capítulo”. Saiam "batidos" – porque a galera não vai perdoar!

Acatamos o conselho de Neusa e pegamos o caminho de casa. Mas a galera, percebendo nossa estratégia, também abriu mão das “cenas do próximo capítulo” e nos acompanhou na mais absoluta algazarra:

- É a Turma de Fulô: Renan, Neuman, Airan, Ivan, Nerivan, Osman e Butija de companhia!

      Buffallo Bill era um dos mais animados na “tiração de sarro”. Renan não se conteve e saiu na mão com ele, Buffallo Bill. Eis que, não sei de onde, surge Tia Dau, mãe de Butija, aparta a briga e nos acompanha até em casa!

- O que foi, Lindaura?! – O que aconteceu com esses meninos?!

- Renan, Fulô – brigando com Buffallo Bill! Dizem que eles chegaram à casa de Elzita falando que são a Turma de Fulô – e o povo achou graça, Renan não gostou e partiu pra cima de Buffallo Bill...

- Ah, meu Deus! Vocês não têm o que fazer?! Passem pra dentro e vão dormir! E a partir de amanhã, não quero saber de nenhum de vocês em casa de ninguém, atrás de televisão! Amanhã, me inventem sair daqui, e eu vou dar o "cavalo de aço" de vocês! Ai daquele que me desobedecer! Caminhem, passem pra dentro, cambada de desembestados! Sentenciou Dona Flor.

      ...E naquela noite, em muitas casas, em meio a gargalhadas, ouvia-se: “É a Turma de Fulô: Renan, Neuman, Airan, Ivan, Nerivan, Osman e Butija de Companhia”.

      Onde quer que chegássemos: na missa, na escola, na padaria de Seu Zé Marinho, na procissão, no Desfile de Sete de Setembro... Em qualquer lugar, ouvíamos o coro: “Dona Elzita, faça o favor! É a Turma de Fulô: Renan, Neuman, Airan, Ivan, Nerivan, Osman e Butija de companhia.” E assim foi por muito tempo! Como nossos nomes têm todos a mesma terminação fonética: rimam - começaram a, depois do último nome: Osman, acrescentarem mais nomes com a mesma rima: Codisman, Tupan, Paranpanpan... Tempos difíceis aqueles! Anos de Chumbo! O insano e bestial AI-5 botando pra fuder! "A Tonga da Mironga do Kabuletê". 
 
      Até Dona Isabel, avó de Tonhe Bodim - quando íamos para a escola, no Paulo VI, ela, pela greta da janela de sua casa, com a voz modificada: “Dona Elzita...”.

      Lembro-me das Filhas de Dona Losa: Moravam numa casa enorme, com muitas janelas, numa esquina. Eram umas meninas bonitas, mas “danadas” que só elas mesmas: eram muitas - bem “atentadas” – meninas sapecas! Sempre que eu ia à Padaria de Seu Zé Marinho comprar biscoito-palito, tinha que passar pela rua da casa delas. Caramba, parece que elas sentiam minha presença na rua! Quando eu menos esperava, em cada janela, aparecia uma: Regina, Lucitânia, Rita... E em coro, parecia até que ensaiavam: “Dona Elzita...”
      As Filhas de Dona Losa: eram levadas, eram bonitas, eram muitas! Rita, bem loirinha! Era uma das crianças que se vestiam de Anjo por ocasião da Festa da Coroação de Maria. Era posta no Altar de Nossa Senhora da Boa Nova, bem no meio dos Santos – um altar belíssimo que foi derrubado bem no comecinho da segunda metade dos anos 1970 – em seu lugar, móveis de jacarandá. Houve até quem fosse embora de Boa Nova, por não concordar com a derrubada do altar. Temendo uma reação dos opositores, derrubaram o Altar na calada da madrugada! Os homens de verde-oliva não estavam para brincadeira, e a Festa da Coroação de Maria nunca mais foi a mesma: Bem no alto, no meio dos Santos, Rita - loirinha, belíssima – parecia um Anjo de verdade – se é que Anjos existem!

      Lembro-me da minha Avó contemplando uma fotografia de dois meninos - com lágrimas quase de mãe, lamentava o sumiço daqueles meninos - estudantes com inclinações socialistas, filhos de uma comadre sua – banidos do seio da família pela fúria dos homens de verde-oliva! No início dos anos 1990, um dos meninos, agora morando na Suíça, esteve em casa da minha Avó para abraçá-la. Do outro menino, nunca mais se teve notícias. “A Tonga da Mironga do Kabuletê”.


Mas voltemos à Turma de Fulô: Não me recordo de nós, a Turma de Fulô, fora a briga com Buffallo Bill, ficarmos estressados com o episódio, até porque sabíamos que Dona Flor não permitiria que fôssemos de fato agredidos. Tudo era uma brincadeirinha dentro do espírito anárquico-poético-boanovense, e nós éramos sim a Turma de Fulô, e continuaremos sendo, e gostamos de ser a Turma de Fulô! Para nós, não faria o menor sentido ficarmos ofendidos por sermos chamados de “A Turma de Fulô”, apesar do “arranca-rabo” com Buffallo Bill. O Tempo passou! A Turma de Fulô Cresceu! Televisão agora é imagem digital – altíssima definição - e é para todos! O tempo passou tão de repente, tudo se modificou, e hoje todos vêem televisão até no celular, no relógio, na palma da mão... O Brasil agora é uma Democracia "quase" Consolidada. Calça boca-de-sino não está mais na última moda. ”Domingo no Parque”, “Alegria, Alegria”, “A Banda”... continuam sendo belíssimas canções. Gil, Caetano, Chico... ainda têm o mesmo fôlego, Maria Gadú arrebenta, o tempo não pára, e as Flores não morrem jamais – elas apenas se mudam para outros campos no bico de um beija-flor! Que Beleza!
Paulo Neuman